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terça-feira, 9 de abril de 2013

LUIZÃO MAIA, UM MESTRE, UMA LIÇÃO DE VIDA

por Jorge Pescara

Decidi reproduzir duas das várias entrevsitas que fiz com Luizão Maia para revistas especializadas como forma de homenagear este mestre...

Luiz Oliveira da Costa Maia, este é o nome do grande mestre do contrabaixo elétrico no Brasil. Considerado pela comunidade das quatro cordas como o pai do samba-jazz brasileiro por suas contribuições técnicas nos grooves deste estilo, Luizão começou com a guitarra aos 13 anos, mudando em seguida para o contrabaixo acústico onde se firmou acompanhando Tânia Maria em 1964. A partir de 1968 começa sua longa jornada como principal sideman de Elis Regina. Ele mudou o rumo e a forma de se tocar samba; acompanhou os maiores nomes da música mundial, como Elis Regina, Bebel Gilberto, Milton Banana, Lisa Ono, Creed Taylor, Toots Thielemans, Claus Ogerman, Stan Getz, Lee Ritenour, George Benson, George Duvivier, Oscar Castro Neves, João Gilberto, João Bosco, Roberto Carlos, Astrud Gilberto, César Camargo Mariano, Helio Delmiro, Raphael Rabello, João Donato, Danilo Caymmi e Luiz Bonfá; dirigiu a OMB do Rio de Janeiro, cidade onde nasceu em 1949, e enfim, foi um visionário que um dia sonhou tornou-se músico e criou história. Luizão Maia, como foi carinhosamente chamado em mais de 30 anos de carreira, foi uma lição de vida, em vida! Acometido de um derrame cerebral que paralisou seu lado direito do corpo no início dos anos 90, Luizão passou a morar no Japão ao lado da esposa Yoko Bekku para tratamentos alternativos e continuar com trabalhando. Conseguiu. Venceu por 10 anos a barreira da enfermidade. Vendeu caro sua incapacidade motora, pois desenvolveu um jeito próprio de driblar a doença e continuar seguindo em frente. Em um dia 28 de Janeiro alguns anos atrás, Luizão foi vencido pelo terceiro derrame, “mas o quê” se ele já havia vencido a própria vida!


Em 1997 Luizão cedeu-nos esta descontraída entrevista que reapresentamos, de forma condensada, nesta ocasião. Uma singela maneira de homenageá-lo.

Como é que foi o começo de sua carreira?

Meu pai acreditou em mim. Ou seja, eu disse para o meu pai: “Pai, eu quero um baixo”. Meu pai não era uma pessoa rica. Trabalhava numa indústria alemã de remédios chamada Schering. Eu arrumei o baixo, ele foi lá comigo para comprarmos.

Isso foi aqui no Rio?

Sou de Vila Isabel. É difícil encontrar músico nascido no Rio não é (risos). É porque o Rio é lugar pra nego vir, não é pra sair... Bom! Aí comprei o instrumento. Era muito ruim. Mas foi até que consegui tirar som com ele. Era um baixo acústico Tcheco ruim pra caramba. Com corda de tripa e uma lateral pintada de preto. Terrível. Comprei do Armando Cotó, que tinha esse apelido por não ter 3 dedos da mão... Agora veja meu caso, eu sou um baixista que não tem uma mão (Luizão brinca descontraidamente com seu próprio problema de saúde). Mas de qualquer maneira, quanto maior o problema, maior o desafio e melhor será a vitória.  Eu sou um cara protegido do céu. Sou músico, faço o que gosto. Meu pai me ajudou, me deu apoio. Continuei estudando e consegui levar minha vida.

Como é que veio aquela idéia de criar aquela condução de samba o baixo?

Não é idéia. Aquilo aconteceu comigo e era eu que estava na vitrine. Se você estiver na vitrine e tiver que fazer alguma coisa boa, você faz. Se você for bom, se tiver consistência, a coisa emplaca. O contrabaixo que eu faço no samba vem do surdo. Há uma música que diz que samba não se aprende na escola. É mentira! É na “Escola de Samba” que está os samba. Eu afinava com o surdo nas gravações, pra não embolar o som. Eu fazia exatamente a linha do surdo, só que com notas. Porque o surdo é burro, um swing desgraçado, mas é burro porque é tem uma nota só. Aí o baixista dá as notas certa e resolve o problema. A mídia falava que eu não embolava com o surdo e por isso era um grande mestre. Foi legal pra mim.

A linguagem antes do Luizão era completamente diferente. Não tinha tantas notas mortas no meio... aquela coisa que dá o swing. Não é verdade?

Exatamente. O importante no baixo é a nota que você não toca. Você interfere, mas não toca. Eu continuei as coisas, porque ninguém cria, apenas aperfeiçoa. Chamo isto de sambaixo!

Quais são suas influências musicais?

Todos os baixistas. Eu gosto mesmo é do Bebeto do Tamba Trio, ficava emocionado com ele. Do Tião neto do Bossa Três, do Sergio Barroso, Ron Carter... eu pensava até que ele era mais velho, mas é mais ou menos a minha praia. O que eu mais gosto é o Neils Pedersen. Fiz um chorinho uma vez, chamado “Chorinho Com Xis”, para contrabaixo, aí o Neils Pedersen gravou. Cara, este foi o maior premio que eu recebi, o cara que eu mais gosto gravou minha música.

Como foi a transição do acústico para o elétrico?

Eu não fiquei muito chocado não porque eu tocava o baixo acústico, mas ninguém escutava o que eu estava tocando. Acontecia o mesmo com os outros. Em São Paulo tinha o Chú Viana. O Chú tocava pra caramba, mas não dava pra ouvir. Aí veio o baixo elétrico e todo mundo podia ouvir. Eu tocava jazz com o Victor Assis Brasil, então resolvi montar o Formula 7 com o guitarrista Hélio Delmiro. Vieram o Marcio Montarroyos no trompete, Cláudio Caribe na batera, João Luis na outra guitarra e o Hélio Celso no piano.

Vocês misturavam influencias brasileiras com...

Não. Jazzísticas mesmo. E... bom! A influencia brasileira é natural, porque éramos todos brasileiros. É aquele negócio de ter um americano e um cubano tocando. Você reconhece (pelo som) quem é o cubano e quem é o americano.

Como criador deste sambaixo como é que você vê a MPB atual (1997), na visão do baixista?

O que acontece é o seguinte. A música está um problema muito grande. Não vou pixar ninguém, mas você viu quem foi representar o Brasil no Festival de Jazz de Montreaux este ano (1997)?.. (Luizão referia-se a mais um grupo de axé music...) eu posso dizer (com orgulho) que quando eu fui representar o Brasil, pra público estrangeiro, estava tocando com Elis Regina e com Hermeto Pascoal, e isto não foi nenhuma vergonha como a deste ano. De lá fomos para o Japão. Eu acho que (por causa disto) os músicos estão tendo uma crise de identidade, de trabalho, crise financeira, no seguinte: o camarada não pode mais ser músico, tem que fazer outra coisa pra viver. Só vai tocar por dinheiro. O Hermeto falou uma coisa: “o músico acaba quando ele vira um profissional. Enquanto ele ta querendo tocar, quer só tocar. Na hora que ele passa a ganhar do trabalho dele, e se conscientiza disto acabou o músico.” O Hermeto tem 60 anos e diz que a cada dia toca melhor que no anterior. Quem é que pode falar isto? Ele estuda até 5 horas por dia e pode dizer estas coisas. A crise é esta, não há mais músicos só mídia... o músico tem que ser artístico... o Japão ta cheio de baixistas bons, mas são todos muito técnicos e muita técnica não fala nada à alma. Não se pode ser só técnico. Se o cara é técnico muito bem, pode “ganhar a corrida”, mas eu quero ver gravar o disco. E a intenção é essa, não é?

Das formações que você tocou, qual a que você chamaria ideal?

Aquela de Montreux: Elis Regina, Hélio Delmiro, Paulo Braga e eu. Tinha também o Chico Batera, muito meu amigo. Comecei a tocar com ele e a Tânia Maria no piano.

O que o baixista deve estudar para ser profissional hoje?

A condição de trabalho agora para o baixista eu não sei se continua a igual. Eu sou da época que se gravava com Clara Nunes, Bete Carvalho, com todo mundo, e o baixista ficava no cantinho dele. Vinha uma partitura, ele lia e tocava... então é o seguinte: o músico tem de estudar teoria e partitura, conhecer a clave de FA... não to querendo dizer que sou o rei da leitura, mas todos têm que estudar e pesquisar muitas coisas. Principalmente conseguir sua voz própria que é a coisa mais preciosa.




ESTE BATE-BOLA COM LUIZÃO MAIA OCORREU EM TÓQUIO, JAPÃO - 2001

Poderia nos descrever o assim chamado “sambaixo” (maneira peculiar de condução de samba que Luizão criou nos anos 70)?

Fica difícil (analisar), porque para mim é apenas a maneira que eu gosto de tocar, e as pessoas curtem, mas um professor da Berklee analisou a levada e disse que tinha uma ghost note fazendo a percussão, junto com o surdo marcando forte o segundo tempo.

Quem você poderia citar, hoje em dia no Brasil, como seguidor ou discípulo mais próximo da sua maneira de tocar?

Meu filho Zé Luiz e o meu sobrinho Arthurzinho (Maia). O meu caçula, Lupa, de 17 anos, também está tocando baixo e é muito musical.

Seu famoso timbre vem do uso das unhas no pizzicato das cordas. Isto se deve a uma opção timbrística própria, uma facilidade técnica ou o quê? Que influência tem seus instrumentos ou amplificadores no timbre final?

É uma facilidade técnica natural. Agora, o instrumento e o amp não significam quase nada, a voz do baixista está na pegada, com um baixo bem regulado e um som bom, o resto tem que ser na mão mesmo.

Hoje em dia você utiliza a técnica de “tapping” com a mão esquerda, para tocar. Você desenvolveu algum sistema específico para este fim? E mais. Você usava o StickBass...

É um instrumento muito bem bolado, o som é interessante, mas teria que ser um cara que toque especificamente o Stick ou violão clássico, por exemplo. Quanto à pergunta anterior, eu procurei um equipamento nos Estados Unidos que já haviam me falado a respeito, mas não encontrei. Uso apenas um elástico nas cordas para abafar.

Quem você poderia creditar como sendo sua influência no passado?

Qualquer baixista que eu gostasse de ouvir já me influenciava, mas quem tocava muito naquela época eram o Tião Marinho, o Bebeto do Tamba trio e o Sérgio Barroso.



DISCOGRAFIA SELECIONADA
Regina Elis: Ao Vivo
Oscar Castro-Neves: Brazilian Scandals
Gal Costa Itada: De Domingo 1967 a Minha Voz
Toninho Horta: Moonstone
Antonio Carlos Jobim: &... Elis & Tom
Antonio Carlos Jobim: Verve Jazz Masters 13
Antonio Carlos Jobim: Antonio Carlos Jobim's Finest Hour
Quarteto Em Cy: Sing Vinicius De Moraes
Raphael Rabello: Todos Os Tons
Raphael Rabello: Mestre Capiba
Lee Ritenour: Rio

Uma visão musical atual e sincera... Mais um mestre a colorir a tela celeste com sons de um 4 cordas...
Obrigado Luizão, por nos mostrar o caminho!

Music & Peace .:.